domingo, 17 de maio de 2009

"Que Futuro há para os jornais impressos?"

Nilson Lage interroga em seu instigante artigo, cujo título compõe este post, o futuro dos jornais impressos. Vale a pena a leitura na íntegra, mas destaco aqui importantes reflexões do professor sobre o polêmico tema.
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As técnicas do jornalismo de precisão [Meyer, 1991; o jornalismo de precisão pode ser grosseiramente descrito como aquele que valoriza a pesquisa na preparação e edição de matérias e nela utiliza recursos estatísticos de processamento em planilhas de cálculo e bancos de dados] podem ser utilizadas em qualquer veículo, mas parecem feitas mesmo para os impressos. Quantas pessoas estão envolvidas, hoje, no carnaval carioca? O que ele significa, em termos de investimento econômico? Será que realmente o desfile e os bailes em geral têm o sentido erótico-pornográfico que os religiosos conservadores, os não-foliões (ou os foliões eventuais) lhe atribuem? Tudo isso, que antes se respondia com palpites ou intuições, pode ser agora medido com base em números e dados. E muita coisa hoje acessível apenas de modo fragmentado, em diferentes jargões acadêmicos, pode e deve chegar, inteligível e articulada, ao público dos futuros jornais diários.
Mas será preciso que os jornalistas aprendam a manusear pacotes de dados, por assunto recorrente ou editoria; a compará-los; aprimorem-se e se atualizem para "traduzir" melhor linguagens técnicas ou desmontar meras escamoteações lingüísticas (como chamar de "internacional" ao que é estrangeiro, de "moderado" ao pusilânime, de "polêmicos" aos temas inconvenientes etc.); a ter informações antes de formular perguntas; e a indagar em universos que não os propostos por marqueteiros e políticos.
Onde há uma crença aceita pelo senso comum, esse jornalismo encontrará espaço: será a criminalidade percentualmente mais significativa entre os pobres ou na "classe média", o que quer que isso seja? Por que as escolas públicas do ensino básico são consideradas piores e as escolas públicas superiores melhores que as do ensino privado – e até que ponto isso corresponde à realidade? Os bancos têm razão quando justificam o spread dos empréstimos alegando inadimplência dos devedores e, se essa inadimplência existe, a culpa é dos próprios bancos ou da evolução da economia? Que rotas realmente seguir, com o mínimo de segurança, se se quer mostrar, numa reportagem investigativa, o grau de envolvimento de bandos criminosos com um governo estadual?
Em lugar de servir como instrumento para a promoção de escândalos (que, repetidos, mais facilmente levam ao conformismo do que à revolta), exposição honesta do jogo de interesses e motivações que se esconde por detrás de cada problema. Há traços comuns entre um psicólogo do campo de concentração de Guantánamo [mantido pelos americanos para supostos terroristas islâmicos] e um investigador que submete ao "telefone" [tortura que consiste em tapas simultâneos dados nos dois ouvidos] o preso de uma delegacia de subúrbio? Que tipo de satisfação teve (ou não) a jovem soldado sorridente quando puxou pela coleira o homem deitado no chão, no presídio de Bagdá? Cabe alegar que cumpria ordens superiores? E por que esse argumento não foi aceito em Nurenberg [no pós-Segunda Guerra Mundial, o julgamento de líderes nazistas]? É preciso levar em conta que textos jornalísticos destinam-se a ter papel social.
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Existe o profissional que fará tudo isso? Provavelmente não. É bom começarmos a inventá-lo.
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